Cadeira de Pensar – Uma introdução

Por Jânsen Leiros Jr.

Revisado e ampliado em 11/04/2024

 “Não estudamos para crer. Estudamos porque cremos.”

Anselmo de Cantuária[1]; 1033 – 1109

 “…é preciso “salvar a alma e a mente”. A conversão não dissocia os aspectos espiritual e mental. Se por um lado, “O mundo precisa de filosofia”, como afirmou o filósofo Eduardo Prado de Mendonça[2], por outro, como disse o teólogo Joaquim Cardoso de Oliveira[3], “O mundo necessita urgentemente de teologia”… Precisamos integrar filosofia e teologia.”

Filosofia e Cosmovisão Cristã – Moreland & Graig – Edições Vida Nova;

Prefácio à edição brasileira

 “Não faz muito tempo… Pensando bem, faz sim. Mas não importa. A verdade é que ainda vive forte em minhas lembranças a quantidade de vezes que fui parar na cadeira do pensamento[4]. E eu tinha duas. Uma em casa e outra na escola.

A cadeira de casa, para ser bem sincero, frequentei pouquíssimos. Em compensação, a da escola foi uma grande companheira nos primeiros anos da trajetória escolar. Foi lugar quase cativo para quem, embora não cometesse qualquer indisciplina grave, não parava de falar durante a aula, atrapalhando professores e colegas de turma. Essas aventuras duraram até o final da então quarta série primária, quando nos despedimos da querida tia Terezinha. Saudades.

Mesmo que, desde então, nunca mais a tenha frequentado, e ainda que a maturidade me tenha silenciado um pouco, só um pouco, a verdade é que a cadeira do pensamento, antes um castigo, tornou-se uma agradável pausa para organizar as ideias.

É claro que, como qualquer ser humano, tenho pensamentos espalhados e abandonados pelos corredores da mente. Mas há também os que latejam na ilusão de serem organizados em algum momento. Um dia, quem sabe? Desafio que se impõe.

Por isso estar na cadeira do pensamento tornou-se um hábito que me proporciona rever atitudes, reformular expressões, pesar decisões, avaliar crenças, analisar sonhos e medir pretensões. Com o tempo, houvesse ou não lugar onde sentar, o processo de voltar a fita incorporou-se uma agradável e necessária rotina; pensar naquilo que penso a todo instante.

Aceito se alguém disser que pensar no que se pensa equivale a ruminar. Tudo bem, porque é exatamente esse o princípio; ruminação. Se não me engano, vacas, girafas e outras espécies realizam esse movimento em seus processos digestivos. Me perdoem os que se incomodaram com a simplicidade da comparação.

A verdade é que, pensar no que se pensa nada mais é do que ruminar conceitos, mastigar muitas vezes um pensamento até que seja totalmente digerido. É trazer à elucubração toda e qualquer ideia que, para ser plenamente compreendida, necessite de melhor e mais profunda investigação. É retornar à mente afirmações que ainda não fizeram sentido, ou questionamentos ainda não respondidos satisfatoriamente.

Se quisermos brincar com fogo ou mexermos em casa de marimbondo, podemos aprofundar a questão, dizendo, a grosso modo, que pensar no que pensamos é o ato primordial do exercício filosófico. Ou seja, o filósofo é aquele que se dispõe a pensar naquilo que pensa, ou que pensam, buscando entender por que se pensa isso em vez daquilo outro, ou porque se pensa em lugar de não se pensar em nada. O filósofo se dedica a investigar e tentar explicar as grandes questões da humanidade, pensando profundamente em tudo que popularmente se pensa superficialmente.

O exercício filosófico, portanto, a despeito do que se dissemina em diferentes círculos cristãos, representa a possibilidade de orientar a racionalidade daquilo em que se acredita, não apagando de jeito algum a fé, mas apontando para sua motivação e sustento. Tal exercício amplia a compreensão da revelação de Deus e de sua relação com a humanidade, em contextos e cenários suplementares, reforçando o entendimento de suas manifestações e de sua condução da história.

O pensamento, portanto, como instrumento que nos auxilia a compreender tudo aquilo em que cremos, é extremamente útil e necessário na construção de uma devoção ainda mais consistente, ampliando, inclusive, o grau de percepção da vontade de Deus e de sua providência ao longo da existência humana. Logo, a filosofia, tanto no seu exercício investigativo quanto no âmbito laboral de suas disciplinas, é de fundamental importância à saúde e vitalidade de uma vida cristã bem robusta e piedosamente consistente.

“… a nossa adoração a Deus é mais profunda precisamente em razão de, e não apesar de, nossos estudos filosóficos… A fé cristã não é uma fé apática, cerebralmente morta, mas uma fé viva e inquiridora. Como Anselmo propôs, nossa é a fé que busca compreensão.”

Filosofia e Cosmovisão Cristã – Moreland & Graig – Edições Vida Nova

É necessário, portanto, abandonarmos o hábito recorrente de demonizar o pensamento e a filosofia. Precisamos deixar de considerar o raciocínio um perigo, ou um inimigo mortal para a fé. Muito pelo contrário. A fé se fortalece à medida da descoberta continuada e crescente do amor de Deus e de sua multiforme graça, manifestada em sua providência que opera invariavelmente em toda a humanidade.

Precisamos de uma visão holística e uma conexão eficaz com o mundo real, que influenciem positivamente a sociedade[5]. Efetivamente sermos luz e não sinônimo de obscuridade. Sermos sal, e não distribuidores de placebos. E isso, não com acusações, mas com exemplos contundentes de sabedoria[6] e amor.

È hora de trocarmos as críticas por testemunhos consistentes. As frases feitas por argumentos consistentes, que levem ouvintes e circunstantes à compreensão do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor. Afinal, acreditar não me emburrece, assim como pensar não me faz herege.


[1] Anselmo de Cantuária foi um teólogo, filósofo e arcebispo do século XI, conhecido por suas contribuições para a teologia cristã e sua defesa do conceito de expiação substitutiva. Ele é famoso por seu argumento ontológico para a existência de Deus, além de sua obra “Cur Deus Homo” (Por que Deus se fez homem), na qual explora o significado da encarnação de Cristo e a redenção humana. Anselmo foi uma figura importante no desenvolvimento da teologia medieval e exerceu grande influência sobre o pensamento cristão subsequente.

[2] Eduardo Prado de Mendonça foi um escritor, político, historiador e diplomata brasileiro do final do século XIX e início do século XX. Ele é conhecido por suas obras sobre a história do Brasil, incluindo “A Ilusão Americana” e “Os Americanos”, nas quais analisou a influência dos Estados Unidos na política e na cultura brasileira. Prado de Mendonça também ocupou cargos diplomáticos importantes e foi membro da Academia Brasileira de Letras. Sua obra teve impacto significativo no debate intelectual e político do Brasil durante sua época.

[3] Joaquim Cardoso de Oliveira foi um médico, político, escritor, filósofo e teólogo brasileiro do século XIX. Como médico, contribuiu para o avanço da medicina no Brasil. Na política, desempenhou papéis significativos, incluindo sua atuação como deputado e senador. Como escritor, produziu obras que refletiam sobre questões sociais e políticas do Brasil. Além disso, foi um teólogo que refletiu sobre temas religiosos e espirituais, contribuindo para o pensamento teológico brasileiro de sua época. Sua atuação multifacetada o tornou uma figura influente em diversas áreas do conhecimento e da sociedade brasileira.

[4] A assim chamada “cadeira do pensamento” era uma prática disciplinar comum em algumas escolas brasileiras. Era um lugar designado na sala de aula onde os alunos que cometiam infrações menores ou perturbavam a aula eram temporariamente isolados como forma de punição. O aluno sentava-se nessa cadeira como um símbolo de reflexão sobre seu comportamento inadequado. Era uma forma de disciplina utilizada pelos professores para manter a ordem na sala de aula e ensinar aos alunos sobre responsabilidade e consequências de suas ações.

[5] 1 Pedro 3:15

[6] Provérbios 4:7

Jânsen Leiros Jr.

Radialista, escritor e articulista Bicuda FM

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