Fiz porque quis!

 Por Jânsen Leiros Jr.

 Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus,  pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus;  antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana,  a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz.”  

Filipenses 2:5-8

 A sexta-feira que antecede ao Domingo de Páscoa, a chamada Sexta-feira Santa, ou Sexta-feira da Paixão, é um feriado cristão lembrado em quase todo o mundo. E mesmo fora das comunidades cristãs, a história da crucificação de Jesus é amplamente conhecida, e rememorada como um fato aceito, no mínimo, como realidade histórica. Isso o torna extremamente popular, e sua importância é reconhecida por senso comum.

Que Jesus foi morto em uma cruz, portanto, não é segredo pra ninguém, e poucos são os contestadores desse evento que ultrapassa as paredes da crença religiosa, e se traduz em pinturas, esculturas e diversas outras expressões artísticas e culturais mundo afora há mais ou menos dois mil anos.

O que não é muito comum, e desde tempos idos, é a cruz tomar o centro da pregação da salvação proclamada pelas igrejas, no Brasil e no mundo. Poderíamos atribuir isso às novidades culturais da pós-modernidade, mas estaríamos escondendo uma realidade já denunciada no Novo Testamento, e que preocupava demasiadamente o apóstolo Paulo, por exemplo, como se pode notar em alguns textos bíblicos.

Não que sobre a crucificação como fato histórico paire qualquer dúvida plausível, uma vez que sustentado, inclusive, por documentos não religiosos. Mas grande é o número daqueles que entendem a crucificação como um martírio consequente, causado pelos assim considerados posicionamentos políticos e religiosos assumidos por Jesus, e não como um sacrifício espontâneo, em que o Cristo de Deus se ofereceu como Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.

Considerado como mártir, e ainda como um homem cuja mensagem de amor e paz estava muito à frente da sociedade de seu tempo, Jesus tem sua cruz considerada como um final inevitável para quem contrariou os interesses dos dominadores da época, ou mesmo dos pretenciosos rebeldes, que buscavam um líder que comandasse alguma insurgência contra o Império Romano.

As distorções sobre o significado da cruz na história da salvação, no entanto, não ficam do lado de fora, nem mesmo dos muros do próprio cristianismo, ou das mentes de seus dedicados fiéis. Infelizmente. E não foi por falta de empenho de quem, logo cedo, percebeu que tal descaminho poderia acontecer em algumas comunidades cristãs ainda no primeiro século.

É importante ressaltar a essa altura, que ao enfatizarmos a cruz como mensagem central do evangelho, não o estamos fazendo com a finalidade de sacraliza-la como objeto primordial da cristandade. Jamais. Em vez disso, a ideia é posicioná-la como instante de realização do sacrifício vicário de Jesus em nosso lugar. Como ápice de seu propósito redentor. Lugar de expiação dos nossos pecados.

 Além disso, e não menos importante, precisamos entender que a crucificação tem sua relevância na história da redenção, não meramente como modelo de morte, sem sombra de dúvida agressivo, desumano e indigno, e que por isso tenha elevado o caráter sacrificial de Jesus ao tomar nosso lugar em expiação. Até porque, ele não foi o único a sofrer tal sentença de morte. Mas então, por que na cruz? Digamos que a sentença de morte para o crime pelo qual Jesus foi condenado, em vez de crucificação fosse o enforcamento. Será que o texto do apóstolo Paulo não teria sido porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este enforcado? Certamente sim. E por que? Simplesmente porque Paulo não está se referindo ao modo pelo qual Jesus foi morto, mas sim ao fato de ter se entregado à morte em nosso lugar. Espontaneamente, e resoluto, até a totalidade de seu sacrifício. Mas por qual razão a cruz chamava tanto a atenção do apóstolo, a ponto de fazê-lo trocar qualquer argumento humano convincente, pela aparente vergonha da cruz?

Naqueles tempos, e desculpem dizer mas será necessário para melhor compreensão do argumento, além da crucificação, alguns outros métodos de execução eram passíveis de uso. Pessoas morriam pela espada, perfuradas por flechas e lanças, rompidas ao meio por métodos que variavam desde serem cruelmente cerradas, até puxadas pelos membros por juntas de cavalos em direções contrárias, e ainda atiradas de um penhasco ou enforcadas, como adiantamos acima. Todas execuções relativamente rápidas e diretas, que variavam em crueldade, mas que davam ao executado pouca ou nenhuma chance de resistir à morte, ou ao menos prolongar seus instantes finais.

Já a crucificação, como método de execução, tinha possibilidades múltiplas. A primeira e mais interessada ao Império, era o seu caráter didático, por incrível que pareça. Havia uma exposição imensa do executado, desde os momentos que antecediam à sua execução. Já pendurado na cruz, os motivos de sua condenação eram declarados ao público, e por um tempo razoavelmente longo, a execução ficava à vista das pessoas, que iam, segundo entendiam, sendo ensinadas a não cometerem crimes que as levassem a semelhante desfecho. Mas também havia um mórbido pensamento velado de que, pendurado na cruz, o executado teria algum tempo de pensar no fez, e arrepender-se do mal cometido, o que era utilizado como uma espécie de minimização da crueldade daquela pena de morte.

Olhando pelo prisma do tempo transcorrido entre a execução e o efetivo falecimento do executado, ele não somente tinha tempo para se arrepender, como também, contava com a possibilidade de ver seus entes queridos, e falar com eles uma última vez antes de calar-se definitivamente. No caso de Jesus, o tempo entre ser levantado na cruz e morrer efetivamente, não só permitiu-lhe as últimas palavras, ainda que em agonia, mas oportunizou em sua história mais um instante de provação de seu amor por nós. E por que concluímos isso?

Em seu livro “A Última Tentação de Cristo” o renomado escritor grego Nikos Kazantzakis, retratou a vida de Jesus Cristo de uma maneira ficcional, claro, explorando questões existenciais e espirituais bastante relevantes, sobre os momentos vividos pelo Senhor na cruz. Segundo o escritor, e o que me parece extremamente plausível, por todo o tempo pendurado na cruz, Jesus foi tentado, pela dor e agonia que experimentava, a descer dali, estancando repentinamente o plano de salvação da humanidade, e cessando toda a imensa aflição que lhe acometia.

Na prática, a suposição romanceada de Kazantzakis, ressaltou que, na cruz, um importante traço de espontaneidade e determinação de propósito foi revelado por Jesus. Não há uma fatalidade incidental em sua morte “e morte de cruz”. Antes, seu sacrifício é uma escolha dele e de Deus. Não foi um acaso ou muito menos uma lamentável imponderável infelicidade. Ele quis e efetivamente morreu pela humanidade. Ainda que doído, e doído até o fim. Tudo isso deixando evidente, que seu amor por nós foi além do limite da agonia e do interesse pessoal pelo alívio e pela continuidade da própria vida. Ele poderia ter pedido ao Pai para tirá-lo dali. Poderia ter desistido do processo que já o vinha angustiando como no Getsêmani. Em vez disso, e apesar da sensação de desamparo, preferiu dar-se por nós, dando tudo por “consumado”, e entregando o espirito nas mãos de Deus. Uma declaração pra lá de poderosa, do imenso e incondicional amor de Deus por você e por mim.   

É claro que há muitos outros aspectos relevantes na morte de Jesus. Mas todos eles convergem para um mesmo e importante lugar; foi amor e foi espontâneo. Não o tivesse sido, o caráter acidental e inevitável do feito, apagaria o aspecto vicário do sacrifício, reduzindo o feito do Senhor a um ativismo ideológico, e a um martírio consequente à luta por uma causa. Não deixaria de ser historicamente relevante, mas jamais seria redentor. Em vez disso, suas escolhas reveladas antes e sobretudo na cruz, nos fazem praticamente ouvi-lo dizer: Foi por você. Fiz por amor e fiz porque quis.

Jânsen Leiros Jr.

Radialista, escritor e articulista Bicuda FM

Facebooktwitterlinkedininstagramflickrfoursquaremail

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *